A pesquisa intitulada “Identificação e Quantificação de Fungos e Aflatoxinas em Amendoim”, da nutricionista graduada pela Universidade Federal do Maranhão (UFMA) e servidora do Hospital Universitário (HU-UFMA), Rosália de Fátima Ferreira Martins, e de seu orientador, Victor Elias Mouchrek, docente do Departamento de Tecnologia Química da UFMA, foi vencedora da categoria Dissertação de Mestrado na 19ª edição do Prêmio Fapema, promovido pela Fundação de Amparo à Pesquisa e ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico do Maranhão (Fapema).
O projeto foi resultado do desenvolvimento de uma investigação que Rosália produziu ainda na graduação, em 2014, na qual foi verificado um número de aflatoxinas maior que o limite estabelecido pela legislação vigente. Sendo vinte microgramas por alimento o máximo permitido, Rosália encontrou valores que variavam de 23 a 12 mil microgramas por quilo de amendoim.
A relevância do estudo motivou Rosália a continuar a pesquisar o tema no mestrado: sendo as aflatoxinas as substâncias mais tóxicas presentes no alimento, de acordo com a classificação do Instituto Nacional do Câncer (INCA), foi caracterizada a aflatoxina B1 como comprovadamente causadora em potencial de câncer no fígado.
Desafio: estímulo à inovação metodológica
Um dos desafios de produzir a pesquisa, segundo Rosália, foi a dificuldade do trabalho com os fungos. “Resolvi fazer isso aqui no Maranhão porque aqui não existe uma pesquisa robusta com relação a isso. Trouxe o tema e não foi fácil achar orientadores que quisessem trabalhar com fungos, mas o professor Victor me deu essa oportunidade, e sou muito grata por isso”.
Devido ao alto potencial infeccioso dos fungos, são necessários equipamentos e laboratórios seguros para que seus estudos sejam realizados de forma eficaz. Para a dissertação de Rosália, foram utilizados os equipamentos do HU e do Laboratório de Óleos Essenciais da UFMA, cujas estruturas são referenciais para as pesquisas em ciências biológicas e da saúde no estado.

A pesquisa investigou as espécies de fungos e as aflatoxinas nos grãos por meio de uma metodologia incomum para seu objeto de estudo: com o uso do sistema MALDI-TOF, que normalmente é utilizado no estudo das bactérias.
Os obstáculos do trabalho inspiraram Rosália a considerar uma análise metodológica diferente para dar continuidade à pesquisa. “Muitos laboratórios nem trabalham com fungos justamente porque dependemos de pessoas muito qualificadas para fazer essas identificações, de técnicas que sejam feitas rigorosamente, e são técnicas extremamente demoradas. Por isso resolvi aplicar o MALDI-TOF”, afirmou a pesquisadora.
A metodologia da dissertação, a espectrometria de massa do sistema MALDI-TOF, é um método apontado como revolucionário para a identificação de espécies de fungos em laboratório. O equipamento, disponibilizado pelo HU, conta com um extenso banco de dados construído com exames e verificações rigorosas: com milhares de microrganismos já classificados por intermédio dele, o aparato realiza comparações e categorizações confiáveis, sendo apontado como um dos mais modernos do mercado.
O orientador da dissertação explicou que a parte do estudo realizada no Laboratório de Óleos da UFMA foi a determinação de umidade nos grãos de amendoim, necessária pela facilidade de proliferação dos fungos em ambiente úmido. “Foi a técnica utilizada o caráter bem inovador do trabalho, creio que por isso os avaliadores da FAPEMA deram o prêmio à pesquisa: não apenas pela identificação de aflatoxinas no amendoim, mas pela técnica e equipamentos utilizados. Sou químico, já vi esse equipamento ser utilizado para identificação de compostos químicos, mas, para essa pesquisa, ele foi utilizado com outra finalidade. Eu nunca tinha visto esse equipamento e o método MALDITO-F ser utilizado na microbiologia. Esse foi o diferencial do trabalho”, afirmou Mouchrek.
Apesar das dificuldades do trabalho com os fungos, a determinação e persistência de Rosália em estudá-los, frutos da paixão da nutricionista pela pesquisa na área, resultaram na dissertação premiada. “Há 28 anos, trabalhei em laboratório de microbiologia. Todo mundo sempre tendeu para o estudo da bactéria mas o meu olhar era muito para o fungo. Adoro trabalhar com fungo. Amo mesmo. Quis trazer o fungo novamente porque uma das dificuldades do laboratório é a identificação de espécies. Gênero até conseguimos dar uma olhada e resolver, mas a espécie é muito difícil. Precisamos superar esses desafios”, observou.
Rosália destacou os benefícios da identificação das espécies de fungos: cada espécie tem um potencial biológico que pode ser aplicado em diferentes funções. Da indústria farmacêutica ao ramo alimentício, as funções das espécies de fungos têm potencial significativo para a pesquisa e para o mercado, podendo ser identificadas por meio do equipamento de forma mais precisa e rápida. De acordo com Rosália, o trabalho de identificação, que antes demorava de quinze a trinta dias para ser concluído, leva dois dias pelo sistema MALDI-TOF.
Resultados e futuro da pesquisa
Para a dissertação premiada, realizada com o objetivo de fazer uma análise sanitária dos amendoins, foram examinadas amostras de grãos coletados de três formas e em locais distintos: a granel, industrializados e torrados. De acordo com a pesquisadora, para a contagem de bolores e leveduras, os maiores percentuais foram verificados nos grãos vendidos a granel. A nutricionista ainda relatou um alto nível de aflatoxinas – ou seja, de substâncias tóxicas – nos torrados e chamou a atenção para a resistência térmica da substância: “O fungo pode morrer na torra, mas a toxina permanece. Esse é o grande risco”, disse.
Os resultados da dissertação ainda apontaram que, embora todas as condições para o desenvolvimento de fungo e aflatoxinas estejam presentes na região do estado (como temperatura ambiente, teor de umidade, formas de estocagem e comércio desses amendoins), os níveis dessas toxinas poderiam ser ainda mais altos.
Na condição de servidora do HU, Rosália relatou um aumento nos casos de infecções fúngicas, e ressaltou que a necessidade de dar continuidade à pesquisa é justificada pelo monitoramento das condições climáticas, pelo seu impacto aos fungos e pela elaboração de melhores tratamentos para infecções provocadas por eles, além do direcionamento correto das ações de órgãos de fiscalização sanitária.
“Nós temos todas as condições para isso. Temos cabines biológicas e o equipamento necessário. Fazer a identificação macroscópica e microscópica dos fungos é muito curioso: é dependendo da imagem que você vai classificar um fungo. Como visualmente é quase impossível você classificar a espécie deles, peguei o resultado MALDI-TOF e fui fazendo a comparação, observando as nuances de cada microrganismo e como eles se comportam e foi lindo! Foi maravilhoso!”, expressou Rosália.
Incentivo, reconhecimento e premiação
Além do incentivo do professor Mouchrek, Rosália destacou o estímulo dos membros do programa de Pós-Graduação em Saúde e Ambiente (PPGSA) da UFMA, e agradeceu à Fundação o reconhecimento do esforço empregado no desenvolvimento da pesquisa, ressaltando o papel da Universidade na construção da dissertação. “Acho que o ponto chave é a oportunidade. Estar aqui, em contato com os professores, frequentar, buscar e conhecer os processos e acreditar. Você precisa acreditar que o que você está produzindo vai dar certo e lutar por isso”, afirmou a cientista.

Mouchrek também expressou grande satisfação com a pesquisa, e salientou que essa foi a primeira vez que orientou uma dissertação na área de alimentos e fungos, reconhecendo a importância de conquistar mais um prêmio, sendo esse o oitavo pela Fundação. “O prêmio FAPEMA está em sua décima nona edição. Sempre o valorizo porque são poucas as instituições de fomento no estado. Pela importância dele, chamamos de Oscar da ciência. O trabalho foi brilhantemente desenvolvido e apesar de recebermos, como premiados, um valor em dinheiro, um certificado e um troféu, o prêmio maior é a relevância que o trabalho apresenta para o desenvolvimento do Maranhão. A importância é mostrar o que fazemos aqui na Universidade”, concluiu Victor Elias Mouchrek.